Literatura
Poesía
agosto, 2021
Poemas de Nina Maria
(Brasil)
(Des)conhecer
No meio deles não me reconheço
tiraram-me de casa
e me jogaram no mar
no meio dos tubarões
nado nado nado sem parar.
No meio deles não me reconheço
Porque ouço risos e açoites,
piadas e deboches
[ e meu choro baixinho disfarçado de risos
para que eu não seja a próxima vítima ]
No meio deles não me reconheço
Porque preciso me pintar para ser aceita
e a cor favorita sempre foi o branco.
Cresci desconhecida de mim mesma,
alheias aos meus iguais,
perdida em meio a multidão.
Quando mirei a minha pele
a minha verdadeira pele
e enxerguei além
descobrir tantos outros eus,
tantas histórias, tantas vidas,
tantas lutas, tantos sonhos.
Quando escutei minha própria e verdadeira voz
cantei melodias desconhecidas por mim mesma
um canto de liberdade
ecoando nos para além dos porões.
Eu, que agora me reconheço
canto para salvar o outro,
o meu povo.
(Des)conocer
Entre ellos no me reconozco
me sacaron de casa
y me tiraron al mar
entre los tiburones
nado nado nado.
Entre ellos no me reconozco
Porque escucho risas y latigazos
bromas y libertinaje
[y mi llanto suave disfrazado de risa
para no ser la próxima víctima]
Entre ellos no me reconozco
Porque necesito pintarme para ser aceptada
y el color favorito siempre ha sido el blanco.
Crecí desconocida para mí
ajena a mis iguales,
perdida en la multitud.
cuando miré mi piel
mi piel real
vi más allá
descubrir tantos otros yo
tantas historias, tantas vidas,
Tantas peleas, tantos sueños.
Cuando escuché mi propia y verdadera voz
Yo misma canté melodías desconocidas
un canto de libertad
haciéndonos eco más allá de los sótanos.
Yo, que ahora me reconozco
Canto para salvar al otro,
a mi gente.
Um preto no Brasil
Não a quero, ainda que ela seja certa. Não a quero, ainda que ela me ameace constantemente, dia após dia, em cada beco, esquina, viela ou favela. E me pergunto a todo instante porque ela, que está sempre à espreita, é tido como sinônimo de liberdade para mim, para o meu povo?. Na velha rotina, acordo assustada, me olho no espelho e tento reconhecer algum erro, ainda assustada, vou para o trabalho, e permaneço em estado de alerta, porque ela está sempre ali, à espera, pronta, uma armadilha. Olho à minha volta e percebo que os outros não a temem, eles até debocham, novamente, olho o meu corpo, olho a minha cor e pergunto: onde está o erro? Na aula não me vejo, só sempre uma exceção, perdida em minha cabeça, entro em devaneio, não me vejo, não me vejo nas revistas, não me vejo nos jornais, não me vejo nos filme, não me vejo nos cargos altos e de prestígio, e se vejo não me reconheço, porque o que retratam de mim é irreal, saio atordoada, na volta para casa eu não volto, na volta para casa eu viro um alvo, eu sou um alvo, ela, que está sempre ali, arma uma emboscada e eu, feito boba, sou levada ao chão, sou levada por ela, sou levada por eles, sou levada por toda uma sociedade racista e preconceituosa, sou levada por engano, porque estava no momento e no lugar errado, a bala que me acha é sempre certeira e fatal, e sempre escolhe uma raça. Eu viro uma estatística, não, na verdade, eu sempre fui uma estatística, a cada 23 minutos uma bala acha um corpo negro, a cada 23 minutos a morte acha e leva um corpo negro. PORQUE A BALA PERDIDA SEMPRE ENCONTRA UM CORPO NEGRO?
Un negro en Brasil
No la quiero, incluso si tiene razón. No la quiero, a pesar de que ella me amenaza constantemente, día tras día, en cada callejón, esquina, callejón o barrio pobre. Y me pregunto todo el tiempo por qué ella, que siempre está al acecho, es vista como sinónimo de libertad para mí, para mi gente. En la vieja rutina, me despierto asustada, me miro al espejo y trato de reconocer algún error, aún asustada, voy a trabajar, y me mantengo alerta, porque ella siempre está ahí, esperando, lista, una trampa. Miro a mi alrededor y me doy cuenta de que los demás no le temen, hasta se burlan de ella, de nuevo miro mi cuerpo, miro mi color y pregunto: ¿dónde está el error? En clase no me veo, solo siempre una excepción, perdida en mi cabeza, sueño despierta, no me veo, no me veo en las revistas, no me veo en los periódicos, no me veo, me veo en el cine, no me veo en altos cargos de prestigio, y si veo, no me reconozco, porque lo que me retratan es irreal, salgo aturdida, en mi camino a casa no vuelvo, de camino a casa me convierto en un blanco, soy un blanco, ella, que siempre está ahí, le pongo una emboscada y yo, como una tonta, soy llevada al suelo, tomado por ella, tomada por ellos, tomada por toda una sociedad racista y prejuiciosa, tomada por error, porque fue en el momento y el lugar equivocados, la bala que me piensa siempre es certera y fatal, y siempre elige una raza. Me convierto en una estadística, no, en realidad siempre he sido una estadística, cada 23 minutos una bala encuentra un cuerpo negro, cada 23 minutos la muerte encuentra y se lleva un cuerpo negro. ¿POR QUÉ LA BALA PERDIDA SIEMPRE ENCUENTRA UN CUERPO NEGRO?
Memórias
A história por trás da mulher que sou
esconde uma menina,
criança,
que viveu de tudo,
até uma vida inventada.
A história da criança menina que fui
há um pai ausente,
que poucas vezes vi.
Um pai que se escondia nas festas quando me via,
e falava: você não é minha filha.
A história da criança menina que fui
envolve uma mãe que sempre fez de tudo,
e ainda faz.
Uma mãe que sempre foi forte,
e que nunca deixou faltar nada,
se desdobrava,
por vezes engolia o choro,
as ofensas,
e até mesmo algumas ausências.
Nunca levou desaforo pra casa
“com minhas filhas ninguém mexe.”
e ainda que não gostasse de tirar foto,
sempre apareceu sorridente,
dizendo “o que eu não tive,
vocês terão.”
As poucas memórias que tenho
da criança menina que fui
retratam uma menina que sempre foi moldada,
forçada,
criada à sombra de uma cultura desconhecida.
Reminiscências do dia em que me vestiram de baiana
e me expuseram para todos,
ainda lembro das piadas,
das risadas,
e de toda a graça
que fui marcada
o riso forçado
revela alguém que sempre tive dificuldade
para se encaixar nessa sociedade.
Da mulher que sou hoje
muito devo a minha mãe
nunca desisti,
me reinventei,
ousei tentar,
consegui
e ainda continuo a tentar.
[para que eu nunca me esqueça que aqui,
sempre existirá um passado pra honrar,
e um futuro para semear.]
Memorias
La historia detrás de la mujer que soy
esconde una chica,
niña,
que vivió de todo,
una vida inventada.
La historia de la niña que era
hay un padre ausente,
que rara vez he visto.
Un padre que se escondía en las fiestas cuando me veía,
y que dijo: no eres mi hija.
La historia de la niña que era
involucra a una madre que siempre lo ha hecho todo,
y todavía lo hace.
Una madre que siempre fue fuerte
y que nunca se perdió de nada,
desplegada,
a veces se tragaba las lágrimas,
las ofensas,
e incluso algunas ausencias.
Nunca respondí a los insultos
“A mis hijas nadie las mece”
y aunque no me gustaban las fotos,
siempre aparecía sonriendo,
diciendo “lo que no tenía,
ustedes lo tendrán”
Los pocos recuerdos que tengo
de la niña que era
retratan a una niña que siempre ha sido moldeada,
forzada,
creada a la sombra de una cultura desconocida.
Reminiscencias del día en que me vistieron de bahiana
y me expuso a todos,
Aún recuerdo los chistes
la risa,
y de toda gracia
que yo estaba marcada
revela a alguien que siempre ha tenido dificultades
para encajar.
la mujer que soy hoy
Le debe mucho a mi madre
Nunca me rendí,
me reinventé,
Me atreví a intentar
he logrado
y sigo intentándolo.
[para que nunca olvide eso aquí,
siempre habrá un pasado que honrar,
y un futuro que sembrar.]
*
Quero a liberdade de poder me enrolar entre suas pernas
dançar [nua] no teu corpo
Quero amar
e sentir você
Dizer no teu ouvido que sou tua
eterna
e perdidamente tua
[nuas]
quero o prazer de te ver acordar
e que seja em meus braços
hoje, amanhã e sempre
Quero que entendas: não vou a lugar algum
Sou tua
Tão e somente tua
aqui
agora
e sempre.
*
Quiero la libertad de poder acurrucarme entre tus piernas
bailar [desnuda] en tu cuerpo
Quiero amar
y sentirte
Di en tu oído que soy tuya
eterna
y desesperadamente tuya
[desnuda]
Quiero el placer de verte despertar
y déjarte estar en mis brazos
hoy mañana y siempre
Quiero que entiendas: no me voy a ninguna parte
Soy tuya
Entonces y solo tuya
aquí
ahora
y siempre.
Nina Maria, natural do interior da Bahia, duma cidade da prosperidade chamada Santo Estevão. Tem 21 anos. É preta, poeta, escritora, geminiana, feminista, lésbica e editora da revista e site Ruído Manifesto. Graduanda em letras com língua francesa – UEFS. É autora dos livros A flor da Pele (2019), Ela – Poemas e Cartas de amor (2020), Há nove luas em mim (2020) Eu vendaval Eu furacão (2021). Possui a poesia como essência e guia de vida, escreve para não morrer e dar sentido ao universo do qual vive. Sua poesia existe e resiste de maneira à flor da pele, presente em algumas antologias nacionais e internacionais, como México, Suíça e Portugal.